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domingo, 31 de agosto de 2025

O Causo do Peixe que Chamava Gente

🐟 Diziam que na Lagoa da Perdição, o peixe assobiava pra atrair pescador. Quem respondia... nunca mais voltava do mato.

Nos fundos de São Simão, onde a estrada vira picada e o celular não acha sinal, existe uma lagoa que os antigos chamam de Lagoa da Perdição. É um olho d'água largo, fundo, de água parada e escura, cercado por um capim navalha que corta a pele e esconde o que tem dentro. Lugar bonito de se ver de longe, mas que bicho nenhum se atreve a beber água.

O causo que corre na boca do povo é que ali mora um peixe. Um peixe graúdo, de couro liso e força de boi. Mas o bicho é diferente. Ele não come isca. Ele chama o pescador. Assobia uma melodia fina, comprida, que entra no ouvido e enlaça a curiosidade do caboclo.


Sebastião, ou Bastião como era conhecido, era homem de couro curtido pelo sol e de pouca crença. Ouvia esses causos na venda, mastigando seu fumo de rolo, e só dava risada. "Ora, peixe assobiar? É história pra assustar menino", ele dizia, batendo no peito. E pra provar sua valentia, numa sexta-feira de lua minguante, ajeitou a tralha e avisou: "Vou trazer o músico pra panela".

Chegou na beira da lagoa no fim da tarde. O silêncio era pesado, cortado só pelo zumbido dos mosquitos. O ar tinha um cheiro forte de brejo e folha podre. Bastião não se importou. Montou seu acampamento, fincou o suporte da vara, ajeitou a isca mais gorda no anzol e arremessou a linha, que cortou a água escura feito navalha.

A noite caiu de vez, fechando o céu com um manto de breu. A única luz era a da sua lanterna e a brasa do seu cigarro. Foi então que ele ouviu. Um assobio. Longo, afinado, vindo do meio da lagoa. Parecia um pássaro noturno, mas não era. Tinha uma inteligência no som, uma cadência quase humana.

Bastião ficou quieto, o coração dando uma pancada surda no peito. Lembrou do aviso dos velhos: "Se ouvir, não responda. Finja que é o vento". O assobio veio de novo, um pouco mais perto da margem. Era uma melodia que convidava, que chamava pra conversa. A coragem de Bastião começou a ser comida pela dúvida.


Foi na terceira vez que o sangue dele gelou. O assobio não veio da água. Veio do capim alto, à sua direita. Perto. Perto demais.

Um arrepio subiu pela sua espinha. Não era peixe. Peixe não sai da água pra assobiar no seco. Ele apontou a lanterna para o local do som, mas o facho de luz só revelava um paredão de capim denso e imóvel. Foi quando o capim se mexeu. Não era o vento. Algo grande, pesado, se arrastava ali dentro, arqueando a vegetação.

Bastião não viu um corpo. Não viu uma forma. Ele viu apenas duas brasas vermelhas, baixas, quase rentes ao chão, que se acenderam na escuridão por um segundo. Olhos que não eram de capivara, nem de onça, nem de bicho que Deus criou. Olhos que refletiram a luz da lanterna com um brilho de maldade pura.


O pescador não pensou duas vezes. O grito ficou preso na garganta. Em um salto, largou vara, lanterna, mochila, tudo. Correu pela picada como nunca havia corrido na vida, com o som do capim se partindo atrás dele. Correu sem olhar pra trás, sentindo o bafo frio da assombração no seu cangote.

Até hoje, Bastião, antes o homem mais valente da região, gagueja ao contar a história. Ele jura que o que estava no mato era a alma do tal peixe. Mas completa, com a voz tremendo: "Que peixe nenhum tem olho vermelho e anda no seco pra caçar gente".


Fica o aviso, amigo da pesca. Se um dia estiver na beira de um rio ou lagoa e ouvir um assobio bonito te chamando... reze baixo e fique quieto. Naquele lugar, a isca não é a minhoca. É a alma do curioso. E quem te fisga não quer te levar pra panela. Quer te levar pra nunca mais voltar.


 Até o próximo causo, amigos da pesca!